O roteiro voltou a se repetir na
Câmara dos Deputados: pela terceira semana consecutiva, aliados do presidente
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiram emplacar uma série de manobras para evitar
o andamento do processo de cassação contra o peemedebista no Conselho de Ética.
A sessão se estendeu durante seis horas, durante as quais boa parte do tempo
foi dedicado a temas alheios à quebra de decoro do presidente da Câmara, e
acabou encerrada sem que fosse votado o parecer que pede a continuidade das
investigações sobre Cunha. Houve espaço até para discussões que beiraram a
baixaria.
Além das
manobras já tradicionais, colaborou para a extensão da reunião a quantidade de
parlamentares inscritos para falar, além da apresentação do voto em separado de
Wellington Roberto (PR-PB). A sessão se arrastou de tal modo que acabou
coincidindo com o horário em que o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-RJ), deu início à sessão conjunta do Congresso que votará vetos
presidenciais que trancam a pauta e a meta fiscal. Os trabalhos devem ser
retomadas na tarde desta quarta-feira.
Durante a
sessão desta terça-feira, o conselho sequer discutiria o mérito das acusações
que recaem sobre Eduardo Cunha: o presidente da Câmara passou a ser alvo de
processo após a constatação de que mantinha uma conta na Suíça, o que
comprovaria a quebra de decoro por ter mentido à CPI da Petrobras, quando negou
estar ligado a qualquer conta no exterior. De acordo com o Ministério Público,
a conta de Cunha foi abastecida com recursos fraudulentos do esquema de
corrupção da Petrobras. Nesta tarde, o colegiado se debruçaria apenas sobre a
admissibilidade da denúncia, ou seja, se o caso deveria ou não ser investigado.
Mas acabou novamente sem uma decisão. O processo contra Cunha foi instaurado há
quase um mês e desde então segue paralisado.
Enrolação e bate-boca - Com base em argumentos que beiram o escárnio,
aliados de Cunha protagonizaram diversas estratégias para atrapalhar o
andamento do processo. A discussão envolveu até a acusação de que um deputado
"furou a fila" - e acabou em gritaria e dedos em riste. A briga se
deu entre os deputados Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Sérgio Moraes (PTB-RS) - este,
aliás, autor da memorável declaração de que "está se lixando" para a
opinião pública. Moraes tende a votar pelo arquivamento do processo contra
Cunha. Ele se irritou porque Lorenzoni se antecipou e registrou presença no
painel um minuto antes do horário previsto. Os dois são suplentes e, como
Lorenzoni saiu à frente, o outro ficou sem a possibilidade de votar na sessão
desta terça.
O
democrata afirmou que não era culpa dele se houve falha no sistema e que há
"um trabalho" para evitar o andamento do parecer contra Cunha. Sérgio
Moraes reagiu com o dedo em riste: "O senhor é um mentiroso de primeira
linha. Vossa excelência tem de ser homem para dizer [quem está obstruindo]. Se
acusou e apontou o dedo, diga. Vossa excelência está acostumado com moleque,
não com homem. Vossa excelência não é digno do seu mandato", afirmou.
Colegas de
Cunha - alguns deles nem sequer membros do colegiado - ainda tentaram novamente
afastar o deputado Fausto Pinato (PRB-SP) da relatoria e também fizeram uma
investida contra conhecidos adversários de Cunha, tentando tornar a deputada
Eliziane Gama (Rede-MA) e o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) impedidos de votar
no conselho. Em outra frente, o deputado Wellington Roberto (PR-PB) anunciou
que vai apresentar um parecer alternativo ao de Pinato para livrar Cunha da
cassação. O presidente do colegiado, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA),
disse em tom de ironia que, diante de tantas reclamações, iria protestar contra
o mau funcionamento do ar-condicionado. A sala da reunião estava lotada nesta
terça-feira, o que deixou o ambiente abafado.
Defesa - Em um
apelo para que os deputados poupem Eduardo Cunha, o advogado Marcelo Nobre
tentou desqualificar o trabalho de Fausto Pinato, argumentando que o parecer
que pede a investigação contra o peemedebista é embasado principalmente em
denúncia da Procuradoria-Geral da República. "Vossas excelências sabem
melhor que ninguém que denúncia não prova nada. Quantas denúncias são propostas
diariamente no Brasil e não são recebidas pelos magistrados? Quem diz que está
comprovado e condena é o Judiciário", afirmou o jurista.
O advogado
do presidente da Câmara disse ainda que a ação da procuradoria se deu em cima
de "delações torturadas", em referência ao argumento dos advogados da
Lava Jato de que as delações foram forçadas pelos investigadores em troca da
liberdade, e tentou sustentar a tese de que Cunha não mentiu à CPI quando disse
que não tinha dinheiro em contas não declaradas no Imposto de Renda. Segundo
Nobre, o peemedebista mantém trusts no exterior, e não há previsão legal que
exija que qualquer cidadão brasileiro tenha de declarar valores nessa situação.
"O
meu cliente já foi réu no Supremo e acabou absolvido por unanimidade. Não podemos
admitir que uma denúncia faça prova de nada. Esse processo é natimorto, já se
sabe qual é o fim: o arquivamento", disse Marcelo Nobre. "Em se
admitindo que o processo seja aberto, não se vai fazer com que a denúncia do MP
vire prova, não vai, da mesma forma, conseguir mostrar que há lei que obrigue o
cidadão a declarar trusts no imposto de renda. Qual o objetivo de abrir um
processo onde já sabemos o fim desde já? A defesa não tem como concordar em
abrir um processo para sangrar um deputado", continuou o advogado.
Relator do
processo, Fausto Pinato rebateu o jurista argumentando que o parecer preliminar
não fala de fato provado e tampouco entra no mérito das denúncias que pesam
contra Cunha. "O exame de admissibilidade, em momento algum, prejulgou alguém.
A fala do nobre advogado nos traz a seguinte reflexão: mais do que tudo, temos
de continuar esse processo, porque precisamos saber do mérito, do contraditório
e das sociedades mantidas pelo presidente", afirmou Pinato. "Peço aos
parlamentares que coloquem a mão na consciência não para prejulgar, apenas para
a gente ter o direito de apurar a verdade", continuou.
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