O que é um princípio no mundo moral, político ou jurídico? Princípio teria a ver com aquilo que dá a base, a partida, seriam valores irrenunciáveis de uma pessoa ou instituição. “Por princípio, não trabalho em empresas que discriminam mulheres”. “Por princípio, exigimos a alternância de poder na esfera pública”. São dois bons exemplos.
Na eleição para a presidência da Assembleia Legislativa que acontecerá no próximo domingo (1º), há quem argumente que estaríamos diante de questões de princípio. A quarta reeleição consecutiva do deputado Guilherme Uchoa estaria ferindo de morte um princípio presente em forma de norma na Constituição, o princípio da alternância de Poder, que, por sua vez, estaria amparado também no princípio da impessoalidade na gestão da coisa pública. Não é difícil concordar com esta tese. Eu mesmo concordo com ela. Talvez o que me diferencie dos principistas de ocasião é que tenhamos visto – e denunciado – os problemas dessa ordem se repetirem sistematicamente ao longo de anos e sobre o mesmo tema. Senão, vejamos.
A Constituição Estadual de 1989 vedava qualquer reeleição para a Mesa Diretora da Alepe. Em 2004, a Emenda Constitucional 23 passou a garantir a reeleição sem qualquer restrição. Em 2007, a Emenda Constitucional 29 proibiu novamente a reeleição para os cargos da Mesa, tornando expressamente proibida a reeleição entre legislaturas. Segundo a própria emenda, os efeitos só viriam a partir da 17ª legislatura (2011/2014). Em junho de 2011 veio uma nova alteração com a Emenda Constitucional 33, de autoria do deputado Raimundo Pimentel, cuja norma está em vigor. O texto permite apenas um segundo mandato consecutivo, vedando a possibilidade de um terceiro e explicitando que as alterações aprovadas somente entram em vigor a partir da 18ª Legislatura (2015/2018).
Não precisa ser um jurista ou constitucionalista para se perceber que a Constituição Estadual, neste aspecto da composição da Mesa Diretora do Poder Legislativo, está mais vulnerável e flexível que o regimento interno de um condomínio residencial. Muda-se a letra da Lei ao sabor das ocasiões. Interpreta-se a norma ao sabor das conveniências.
A rigor, e em nossa opinião, o deputado Guilherme Uchoa está irregularmente na condição de presidente da Alepe desde o início da 17ª Legislatura, pois a Emenda 29 deixava muito claro que não poderia haver reeleição em hipótese alguma, mesmo de uma Legislatura para outra. A 17ª Legislatura da Alepe coincidiu com o segundo mandato de Eduardo Campos (2011/2014) e sabe-se que esta manobra foi operada a partir do Palácio do Campo das Princesas. Esta flagrante inconstitucionalidade foi consumada praticamente sem resistência no interior da Alepe.
Do lado de fora, no entanto, um grupo de militantes do PSOL, dentre os quais estava este hoje debutante deputado, protestávamos de forma irreverente, distribuindo marmelada às Vossas Excelências, que estavam devidamente protegidas da pressão das ruas por reforçada escolta policial.
Agora, numa nova conjuntura, a Alepe vive os espasmos de uma cultura política de pouco apreço às normas e ao decoro moral no trato da coisa pública, cultura que atingiu não só a Alepe, mas também outras instituições do Estado. É neste contexto que estamos assistindo – e resistindo – à pavimentação da quarta reeleição consecutiva do deputado Guilherme Uchoa à frente da Alepe.
Sendo assim, alegra-nos que nossa voz, até então quase solitária contra tudo o que vem ocorrendo, seja socorrida por outros que agora – antes tarde do que nunca – passaram a perceber as consequências nefastas que uma oligarquia tardia vinha e ainda vem trazendo ao nosso Estado e à nossa democracia. Estas consequências tiveram origem na submissão vexatória da Casa de Joaquim Nabuco aos interesses políticos do ex-governador Eduardo Campos, e seria de bom tom que os que agora se insurgem tão energicamente em defesa da Constituição assumissem seus lotes no latifúndio de inconstitucionalidades que precedeu o que agora denunciam.
Esperamos, portanto, que o deputado Guilherme Uchoa, apoiado agora abertamente pela base aliada do Palácio do Campo das Princesas, não seja usado como “boi de piranha” para atrair a opinião pública, enquanto os grandes fatores e causas que contornam a tristeza do nosso quadro político são mantidos intactos.
Nossa candidatura à presidência da Alepe confronta a candidatura do deputado Guilherme Uchoa, mas não nos limitamos a isso. Somos uma candidatura antes de tudo radicalmente republicana e nos localizamos no campo da oposição, vinculada aos movimentos sociais e da sociedade civil organizada. Nosso enfrentamento não é de ordem pessoal com o atual presidente, é político. E não o vemos como a causa dos problemas políticos que queremos enfrentar e vencer. Vemos o deputado Uchoa como uma consequência de oito anos de uma desconstrução proposital da nossa jovem república.
Nossa candidatura quer resgatar o protagonismo da Alepe nos debates políticos estratégicos de nosso Estado. Como pode o secretário das Cidades, do mesmo partido dos que se insurgem em defesa da Alepe nesta eleição para a Mesa – todos governistas, portanto – conduzir um reajuste de tarifas no transporte coletivo da RMR com a Casa de Joaquim Nabuco em pleno recesso? Como podem membros da Polícia Militar cometerem toda sorte de abusos contra cidadãos e cidadãs no Cais José Estelita e a Casa do Povo ficar calada diante de tamanho absurdo? Como pode a Alepe não ter Portal da Transparência? Como pode a ALEPE não ter ainda mecanismos eficazes de participação popular online? Como pode haver ainda tantos comissionados em relação aos concursados? Como pode a Alepe não ter uma política concreta de aproximação da Casa com a nossa juventude, através de Parlamento Jovem, por exemplo? Por que o colégio de líderes deixou de ser reunir na Alepe? Como pode não haver transparência interna no uso e alocação de recursos disponibilizados à Casa e adquiridos por ela?
São estes pontos de vista e estas questões levantadas que nos trazem para a candidatura à presidência da Alepe. Não queremos disputar votos, essencialmente, e isto já ficou claro para o conjunto dos deputados, para nossos eleitores e para a sociedade. Queremos discutir, com os deputados e com a sociedade, conceitos e princípios, o respeito à Constituição sempre, e não apenas quando nos for conveniente.
Deputado Estadual e candidato a presidente da Alepe
Fonte: FOLHA PE