A visita da cubana
Yoani Sánchez revela muito sobre o Brasil e alguns brasileiros: ela enfrenta
a ditadura para pedir democracia, enquanto eles usam a democracia para
defender a ditadura.
A dissidente cubana Yoani Sánchez encontrou no Brasil uma raridade, jovens
manipulados para defender uma ditadura. Viu patetas fantasiados de Che
Guevara tentando, aos berros e à força, impedi-la de falar. A reação de Yoani
foi uma aula de política. Ela pouco se importou com o conteúdo do alarido.
Elogiou a liberdade de expressão existente no Brasil. Yoani aprendeu com o
sofrimento que o comunismo é uma bobagem inofensiva — o que prende, tortura e
mata é a ditadura. Aprendeu a valorizar o exercício da liberdade de
protestar, mesmo quando o alvo é ela própria. Sua simplicidade assusta os
adeptos das tiranias. Moça perigosa essa!
Perigosíssima, a
blogueira de prosa mais simples do que encantatória assusta a ditadura cubana
e seus seguidores no Brasil simplesmente por expor na internet os fatos
básicos da vida infernal da população que deveria estar vivendo no paraíso
comunista no planeta. Cuba foi um experimento da União Soviética feito em uma
ilha do Caribe que se manteve enquanto Moscou mandava sua bilionária mesada
para Fidel Castro. "O barco afunda. Faz água por todos os lados",
diagnosticou Fidel em 1993, no auge da penúria que se instalou em Cuba depois
do desmoronamento do bloco soviético. Desde então, o governo cubano foi
gastando todo o seu encantamento romântico-revolucionário, perdendo
legitimidade a cada dia, mantendo-se pela hegemonia crescente dos militares
no aparelho de poder e pela cultura da delação que faz de cada cidadão cubano
um espião do seu vizinho. Enfim, o experimento comunista cubano assumiu as
feições das ditaduras clássicas em que, em nome de uma nunca alcançada
prosperidade coletiva, os tiranos suprimem as mais básicas liberdades
individuais — entre elas, claro, a mais fundamental de todas, a de expressão.
Em um ambiente assim, Yoani é um perigo letal para a ditadura. “Venho de um
estado onde ter opinião é equivalente à traição"", disse ela na
Bahia. A turba ignara não ouviu, ensurdecida pelos próprios uivos.
Em Brasília, alguns
parlamentares broncos tentaram constranger a cubana com perguntas sobre suas
intenções, a origem dos recursos que bancaram sua viagem. Em São Paulo, a
última etapa da viagem, a jornalista e blogueira, mesmo sob proteção
policial, tentou participar de um debate, mas foi impedida de falar pela
claque de liberticidas manipulados pelos dinossauros ideológicos. Calem
Yoani, ela é um perigo!
O Brasil recebe a
visita de políticos, tiranos e pessoas comuns defendendo ideias de vários
matizes, como é natural em qualquer democracia, mas poucos mereceram um tratamento
tão indecoroso quanto Yoani. Ela é um alento para o povo cubano, uma
plantinha que ousou brotar na aridez do fidelismo arcaico. Será que seus
agressores no Brasil pararam para pensar por que em Cuba não existe acesso
livre e desimpedido à internet? Por que não existem jornais? Por que Cuba é a
única ilha que não possui comunidades de pescadores? Vamos lá. As duas
primeiras perguntas têm respostas óbvias: o governo tem o controle total da
informação. Mas e os pescadores? Por que os cubanos não podem enriquecer sua
ração diária de batata com uma proteína de peixe? Simplesmente porque, em vez
de pescar, eles remariam para longe da ditadura, fugiriam da prisão em que
são mantidos. Yoani Sánchez é tão perigosa em Cuba quanto uma canoa a remo.
Ela liberta a mente, mostra que o rei está nu. É uma moça perigosa.
Yoani Sánchez, uma
mulher de 37 anos, que pesa 55 quilos e não mede mais que 1,62 metro, já foi
seqüestrada, torturada e acusada de praticar a variante mais grave dos crimes
punidos pela ditadura cubana: defender a liberdade. Com um computador velho e
a ajuda de voluntários que recebem seus textos por e-mail e os publicam
traduzidos para vinte idiomas, Yoani Sánchez rompeu os controles e virou
inimiga do regime.
Uma reportagem de
VEJA publicada na semana passada revelou que a perseguição à blogueira no
Brasil foi planejada pela embaixada cubana em Brasília e executada por
militantes do PT, do PCdoB e da CUT. Mais grave ainda: na reunião em que se
tramaram os ataques a Yoani Sánchez estava presente um graduado funcionário
do Palácio do Planalto — Ricardo Poppi Martins, assessor do ministro-chefe da
Secretaria-Geral da Presidência. Gilberto Carvalho —, que recebeu das mãos do
embaixador Carlos Zamora Rodriguez um dossiê contendo informações falsas e
montagens fotográficas para denegrir a imagem da jornalista e ainda ouviu do
diplomata que agentes iriam espiona-la. Aconteceu exatamente o que VEJA disse
que ia acontecer. Alimentados pelo dossiê distribuído pelo embaixador, os
militantes disseminaram na internet o roteiro de ódio que ganhou as ruas na
forma de cartazes com acusações patéticas contra a dissidente—quase tudo de
acordo com o que havia sido planejado. O que não estava no roteiro
cubano-petista é que a tramóia seria revelada.
A estratégia de
ataque do regime cubano contou com a participação decisiva dos petistas
através da chamada “RedePT13” — uma organização virtual montada pelo partido
para perfilar blogueiros e usuários de redes sociais alinhados ao petismo.
Especializados em perseguir e difamar adversários do partido, eles são os
chamados ""militantes virtuais", e integram uma massa
invisível composta de sites e perfis apócrifos na internet. Foi essa turma
que, quando recebeu o dossiê contra Yoani, passou imediatamente a replicá-lo
na RedePT13, transformada no braço digital da polícia política de Havana. Um
despudor intolerável que mereceria a atenção do governo.
Mas como, se o
governo nesse episódio vergonhoso esteve representado pelo Poppi, o servidor
do Palácio do Planalto responsável pelas Novas Mídias? Poppi é um
especialista em “ciberguerra”, que tem a RedePT13 como instrumento. Ele
estava até a semana passada em Cuba, com as despesas pagas pelo governo
brasileiro, ministrando seus conhecimentos bélicos digitais aos camaradas da
ilha. Em nota, o Palácio do Planalto divulgou uma versão fantasiosa do papel
do rapaz: ele teria ido à embaixada buscar o visto de viagem. Uma vez lá, por
coincidência, foi convidado pelo embaixador para participar da reunião junto
com mais uns quinze petistas. O bom menino teria ouvido o plano de
intervenção cubana no Brasil e recebido o CD com o dossiê contra Yoani. Mas,
cioso de seu dever como alto funcionário do governo brasileiro, destruiu
imediatamente o material ofensivo assim que percebeu do que se tratava. Tá bom,
então.
Já o chanceler
Antonio Patriota se limitou a dizer que não havia tomado conhecimento da
conspiração. Como se de fato nada tivesse acontecido, na quinta-feira,
enquanto Yoani Sánchez era mais uma vez hostilizada em São Paulo, o
embaixador Carlos Zamora Rodríguez estava no Palácio do Planalto visitando
Marco Aurélio Garcia, assessor de assuntos internacionais do governo. Alguma
admoestação pelo comportamento que fere os mais elementares princípios das
convenções diplomáticas internacionais? Não. “Marco Aurélio é um amigo que
estava enfermo", explicou o sorridente e despreocupado embaixador
cubano. O senador Alvaro Dias, do PSDB do Paraná, apresentou um requerimento
para que os ministros Antonio Patriota e Gilberto Carvalho, além de Carlos
Rodríguez, prestem esclarecimento ao Congresso.
O PT manteve um
conveniente silêncio sobre o caso Yoani. Na quarta- feira, militantes do
partido agrediram a repórter Daniela Lima, do jornal Folha de S.Paulo, que
trabalhava na cobertura do encontro promovido pelo partido para comemorar
seus dez anos no poder. Enquanto autoridades se encaminhavam para o salão em
que Lula e Dilma discursariam, Daniela, como manda a cartilha da profissão,
interessou-se pelo que parecia um protesto dos petistas. Foi recebida com
provocações e xingamentos e agredida fisicamente. Um militante chutou Daniela
pelas costas. Típico desses valentes. A visita de Yoani Sánchez ao Brasil
acabou ajudando a explicitar um pouco mais o fato de que para certas
correntes petistas a existência da imprensa livre é, em si, insuportável. A
imprensa foi importante quando se tratava de mostrar os podres dos governos
que precederam a chegada dos petistas ao poder. Agora seu papel é fazer
propaganda do governo e saudar os feitos do PT. O jornalismo investigativo, destemido,
independente teve seu lugar antes da subida do PT ao mais alto posto da
hierarquia política do país. Agora, eles não querem mais ouvir falar disso. O
jogo terminou. É até compreensível que os petistas pensem assim, mas é
patético ver antigas feras do jornalismo investigativo, prontas a qualquer
sacrifício para escancarar malfeitorias dos governos passados, transformadas
em cordeirinhos balindo alegremente para os poderosos de plantão, sem nenhum
apetite para a reportagem reveladora. E até possível que se movam, mas para
tentar, quem sabe, descobrir algo desabonador sobre a dissidente cubana em
visita ao Brasil. Afinal, ela é uma moça perigosa que enfrenta a ditadura
cubana em favor da democracia, enquanto muitos usaram as liberdades da
imprensa sob a democracia para agora terem o direito de bajular ditaduras.
“Esse senador é da
CIA”
O embaixador cubano
goza de estranhos privilégios que transcendem em muito a imunidade
diplomática. Além de ter autorização para promover reuniões políticas,
distribuir dossiês e espionar adversários sem ser incomodado, Carlos Zamora
Rodríguez tem o poder de patrulhar parlamentares brasileiros. 0 senador
Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, sempre esteve na lista daqueles a quem
os cubanos podiam recorrer, os chamados amigos da revolução, até ele se
sensibilizar com o trabalho de Yoani Sánchez. Suplicy, havia anos, defendia o
direito da blogueira de deixar a ilha, o que o regime comunista não permitia.
Chegou a enviar uma carta à embaixada solicitando uma autorização especial
para a jornalista se ausentar do país. Foi o bastante para transformar o
senador em “inimigo da revolução”. E, como todo inimigo da revolução, o
parlamentar foi automaticamente promovido a agente da CIA, a agência
americana de espionagem.
Ao se aliar à
defesa de Yoani Sánchez, Suplicy virou persona non grata no regime.
"Como é que o PT permite isso? Esse senador é da CIA”, esbravejou o
embaixador ao receber a carta. A acusação foi ouvida por outro senador da
República, Roberto Requião, do PMDB do Paraná, que ainda tentou defender o
colega: "Se o Suplicy é da CIA, eu também sou”. Requião tentou, sem
sucesso, promover uma reconciliação entre o senador e o embaixador. A revolta
de Carlos Zamora contra Suplicy foi parar na cúpula do PT, a quem o
embaixador se queixou formalmente da postura do senador - inclusive
advertindo que o mau comportamento de Suplicy poderia comprometer a boa
relação de Havana com o partido. Subserviente, o PT não defendeu o senador.
Ao contrário, comprometeu-se a cerrar fileiras contra a visita da blogueira.
Resignado, Suplicy ainda tentou por meses uma audiência com o embaixador para
se explicar, mas nunca conseguiu ser recebido. Na semana passada, ao lado de
Yoani, ele também foi alvo da hostilidade dos manifestantes, muitos deles
petistas, que atacaram a blogueira cubana. "Sempre defendi a democracia.
Como diz a presidente Dilma, é melhor o barulho da liberdade de expressão do
que o silêncio da ditadura, e, por isso, vou continuar defendendo a liberdade
em Cuba”, afirmou ele.
Yoani Sánchez
falou a Duda Teixeira e Branca Nunes, de VEJA, na sexta-feira 22, em São
Paulo, no escritório da Editora Contexto, que publicou seu livro De Cuba, com
Carinho.
Por que o governo
cubano e os castristas brasileiros têm pavor da senhora?
Eles temem a
palavra, o argumento e o raciocínio lúcido dos que estão em Cuba e são
críticos do regime, ou têm alguma opinião diferente da do Partido Comunista.
O governo simplesmente tem medo de que a comunidade internacional nos escute.
Qual é o poder que
a comunidade internacional tem sobre a ditadura cubana?
A opinião das
entidades de direitos humanos é importante para estimular reformas em Cuba.
Lamentavelmente, nós, cubanos, estamos presos a um estereótipo. Muita gente
em outros países crê que o nosso povo é totalmente a favor do governo. Não
somos todos comunistas. Não usamos farda verde-oliva. Se a comunidade
internacional enxergar a pluralidade que existe entre nós, estaremos mais próximos
da mudança.
A senhora disse que
os slogans dos manifestantes brasileiros já não se escutam em Cuba. Qual lhe
surpreendeu mais?
“Cuba sim, ianques
não”, por exemplo. Está fora de moda. Em Cuba não usamos mais a palavra
ianque para os americanos. Falamos yuma, que não é pejorativo. Ao contrário,
mostra certo encanto em relação a eles. A propaganda estatal, de ataques aos
Estados Unidos e ao imperialismo, criou um sentimento contrário do esperado.
A maioria dos jovens cubanos hoje é fascinada pelos americanos. Eu até acho
ruim esse enaltecimento de outro país, mas é uma realidade.
Em 2007, o Brasil
deportou dois boxeadores cubanos que tentavam o exílio. Qual sua opinião
sobre isso?
O governo
brasileiro teve um triste papel nesse caso, de cumplicidade. Quando os
atletas retornaram, o governo cubano fez um linchamento público na imprensa
oficial, com vários insultos. Fidel Castro falou na televisão que um deles
foi visto com uma prostituta na praia. Os filhos e a mulher desse homem foram
expostos a isso. Foi um episódio bastante lamentável.
Fonte: Revista Veja - 25/02/2013
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