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Assustador primitivismo político. POR DELFIM NETTO

Do Jornal do Brasil

Artigo do ex-ministro Antonio Delfim Netto, publicado nesta terça-feira no jornal Valor Econômico, teve grande repercussão no mundo político e no mercado financeiro. Com autorização do ex-ministro, o Jornal do Brasilreproduz o artigo "Assustador primitivismo político":
Com os números das Contas Nacionais Trimestrais publicados no dia 28/8, o quinquênio da presidente Dilma Rousseff vai provavelmente encerrar-se com um medíocre crescimento total do PIB da ordem de 6%, ou seja, qualquer coisa como 1,2% ao ano. Compara-se muito mal com o crescimento da economia mundial no mesmo período, que foi cerca de 19%.
Se considerarmos que o crescimento da população brasileira no período foi de 0,9% ao ano, o crescimento per capita da nossa renda terá sido de apenas 0,3% ao ano. Isso nos afastou dramaticamente do crescimento das economias emergentes neste tumultuado quinquênio da economia mundial que, de alguma forma, reverbera sobre todas elas.
Mesmo antes da posse do segundo mandato era visível a necessidade de um profundo "ajuste fiscal estrutural". Em 2014, o déficit fiscal dobrou (6,2% do PIB contra 3,1% em 2013) e o superávit primário virou um déficit primário de 0,6% do PIB. Disso resultou um aumento de 6% na relação dívida bruta/PIB, além de dúvidas sobre a sua sustentabilidade, com todas as suas consequências devastadoras. A presidente reeleita reconheceu, intimamente, tal fato e selecionou um competente ministro para fazê-lo. Por que, então, não funcionou?
A resposta é de múltipla escolha. Temos a impressão que foi um conjunto de fatores previsíveis, mas não considerados, que geraram o sentimento, hoje generalizado na sociedade brasileira, que, por mais honesto e bem intencionado que tenha sido o esforço de Dilma, ela conduziu o país a um impasse social, econômico e político.
1) A falta de reconhecimento imediato e explícito da presidente de que subestimara sistematicamente os inconvenientes: a) do seu excesso de voluntarismo; b) das tentativas de violar as identidades da contabilidade nacional; c) da recusa de usar o sistema de preços na legítima busca da "modicidade tarifária" à custa de leilões mal feitos, das inevitáveis reestruturações contratuais e da garantia de financiamento público; d) do abuso do direito da maioria nas empresas estatais à custa da violação do direito da minoria e, finalmente, e) da tragédia do controle de preços, particularmente da taxa de câmbio, para o ilusório controle da inflação.
Mas por que esse reconhecimento era imprescindível? Porque só ele poderia racionalizar a mudança de 180 graus da política econômica que Dilma fez com coragem e a honesta intenção de voltar a produzir o crescimento social e econômico inclusivo e equânime. Quem precisa convencer a sociedade que mudou o seu entendimento sobre a política econômica não é o ministro "sombra" da Fazenda, mas o titular verdadeiro, isto é, a própria presidente. Essa era a condição necessária (ainda que não suficiente) para criar as condições mínimas de credibilidade da nova administração, que foi legitimamente eleita, gostem ou não seus opositores.
2) Houve uma evidente subestimação do que precisava ser feito e da complexidade da tarefa, porque a condição necessária sugerida no parágrafo anterior nunca foi criada. Era clara a sinalização que, sem uma profunda mudança da confiança dos empresários - o que talvez fosse possível com um bem racionalizado "mea culpa", que não veio -, o aumento do nível de investimento (a Formação Bruta de Capital Fixo, que era negativa desde o terceiro trimestre de 2014) não aconteceria, como de fato, não aconteceu. É isso que revela a dramática queda do PIB (2,1%) entre o 2º trimestre de 2015 e o seu homônimo de 2014, o que tornou crível um encolhimento de 2,4% do PIB em 2015. E pior, lança uma dúvida muito séria sobre o crescimento de 2016.
3) Criou-se, assim, a condição suficiente para que, se não tomarmos as medidas necessárias para subordinar as despesas ordinárias correntes do governo (que dependem de vinculações e indexações que destroem a flexibilidade da administração) à receita ordinária corrente (que depende, basicamente, do crescimento real do PIB), caminharemos para o mesmo  desconforto fiscal que, lentamente, foi a causa eficiente da nossa hiperinflação no passado não distante.
Para o cidadão comum, a solução é rudimentar: ou se reduz a despesa, ou se aumenta a receita, ou talvez melhor (com garantias adequadas) se faz um pouco das duas coisas. Para os pensadores mais profundos, sempre há uma saída na mística da "suficiente vontade política", que é capaz de fazer, dialeticamente, 2+2=6! É evidente que devemos estar abertos para todas as soluções possíveis e escrutinar todas elas, mas só tomar uma decisão quando existir um razoável grau de consenso dentro da base política do governo. Francamente, é difícil acreditar que a tumultuada proposta de recriação da CPMF não tenha sido aprovada pela presidente. Retirá-la na calada da noite exibiu um primitivismo político assustador.
Mais grave: ajudou a revelar - pela insólita repulsa universal - que a cidadania empoderada não tem mais a menor disposição de dar ao governo seu voto de confiança. Lembremos, de novo, que a situação fiscal é dramática e muito, muito, muito delicada! Cada passo mal pensado e mal combinado que termine em mais uma frustração, pode ser, afinal, o precipício...
*Antonio Delfim Netto é economista e professor. Formou-se, em 1951, pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). Foi secretário de Finanças de São Paulo, ministro da Fazenda, ministro da Agricultura; ministro-chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e embaixador do Brasil na França. Participou da elaboração da Constituição de 1988. É professor-emérito da FEA e sua área de especialidade é economia brasileira.
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Autor Everaldo Paixão

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