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Especial mostra o vazio político deixado pela morte do ex-governador

Reportagem debate o legado deixado por Eduardo, em meio às dificuldades de gestão do seu sucessor

Do JC Online

Site traz material em vídeo, infográfico e memória do acidente que chocou Pernambuco / Ilustração: Guilherme Castro/NE10

Site traz material em vídeo, infográfico e memória do acidente que chocou Pernambuco

Ilustração: Guilherme Castro/NE10

Exatamente um ano após a morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos em plena campanha presidencial, o NE10 lança o especial A Política sem Eduardo. A página traz uma série de reportagens sobre a trajetória política, episódios marcantes e o vazio deixado pelo pernambucano, além de um vídeo em que amigos, aliados e adversários avaliam o impacto da perda do ex-governador.

As reportagens debatem ainda o legado deixado por Eduardo, em meio às dificuldades de gestão do seu sucessor, a longa lista de homenagens, a citação na Operação Lava Jato, e o desafio dos herdeiros políticos dentro e fora da família Campos.

Os textos do especial foram elaborados por Paulo Veras a partir de uma adaptação do projeto de conclusão do curso de Jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Já o vídeo foi editado por Luiz Pessoa a partir de entrevistas realizadas pela TV Jornal e pelo repórter Franco Benites, doJornal do Commercio.

O especial apresenta ainda uma linha do tempo contando o passo a passo do que ocorreu da famosa entrevista de Eduardo ao Jornal Nacional até a posse do governador Paulo Câmara, numa pesquisa feita por Marília Banholzer.

A edição do material é de Julliana de Melo. E o design foi feito por Guilherme Castro.

2005: morre Arraes, fica o mito


Em 1962, na campanha ao governo estadual, navio descarrega caixas de armas no porto do Recife, destinadas ao Consulado Americano

Ayrton Maciel

Uma foto histórica. Deposto pelos militares em 2 de abril de 1964, Arraes é levado à prisão. Dois anos antes, na campanha, armas e munições foram descarregadas no porto. Consulado Americano diz ser uma

Uma foto histórica. Deposto pelos militares em 2 de abril de 1964, Arraes é levado à prisão. Dois anos antes, na campanha, armas e munições foram descarregadas no porto. Consulado Americano diz ser uma "assistência a Pernambuco"

Arquivo JC Imagem

Em 13 de agosto de 2005 fechou-se um ciclo na política brasileira. Morreu Miguel Arraes, o último dos grandes nacionalistas. Um político que gerou polarizações, ao longo da vida política, personificando – entre correligionários e adversários – as imagens antagônicas de “o bom e o mau, o bem e o mal”, mas que o imaginário proletário e camponês elevou à condição de mito. 

Do distante 1932, ano de seca, quando repetiu o itinerário de muitos jovens de famílias com posses do interior nordestino, ao 13 de agosto, o político progressista que avaliava o presente a partir de dois focos – o passado e o futuro, que lhe davam a visão contemporânea do mundo – preservou o estilo tradicionalista. Casou na Igreja, ia à missa com a família e preservou, nos governos, relações com o clero.

De formação humanista e personalidades forte, não abdicou da tolerância e de uma característica muito própria: ouvir mais, falar menos e decidir convicto. Nascido um ano depois da seca de 15 e quatro antes da seca de 20, viveu a grande estiagem de 32, a que mais lhe marcou , mo ano que foi o da retirada. 

A dura realidade do Sertão do Araripe foi um dos fundamentos da formação política e dos compromissos de governante, consolidados pela coerência entre pensamento e ação. O político que decidia e o gestor que cumpria fundiram-se, e todo esse arcabouço de diferenciais – para a grande massa excluída do campo e da cidade – resulta na construção do mito no imaginário popular.

Eleito prefeito pela Frente do Recife, em 1959, leva água aos morros, faz a eletrificação da cidade, urbaniza bairros populares, abre as Avenidas Norte e Sul e inaugura a rede de ônibus elétrico. Cria o Movimento de Cultura Popular, em 1961, uma articulação de artistas e educadores para alfabetizar e elevar a discussão política sobre a realidade social.

Em 1962, deixa a Prefeitura para ser o candidato das esquerdas ao governo do Estado. Eleito três vezes pelo povo, “pai Arraia” – expressão de intimidade do sentimento dos canavieiros – ou o “pai dos pobres”, Arraes exerceu a política em tempo integral. Os cargos que ocupou no Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), antes de se tornar político, permitiram-o conhecer a miséria do trabalho na palha da cana e o poder da aristocracia escravocrata canavieira. 

Em meio à campanha ideologizada, em um mundo em Guerra Fria, e intensa campanha anticomunista contra Arraes, o jornal Última Hora noticia uma “bomba”. No dia anterior, 20 de agosto, no Porto do Recife, havia ancorado um navio, do qual eram descarregados caixotes para o Consulado dos Estados Unidos. O jornal flagra, fotografa e abre manchete: “Armas e munições chegam ao Recife para o consulado norte-americano. Duzentas mil balas numa só caixa”.

A versão inicial era de que a carga seria para a polícia do governo Cid Sampaio. O comando da PMPE diz que apenas três das caixas lhes pertence. O Consulado divulga que tinha vindo como “assistência a Pernambuco”. O cônsul Delgado Arias, no entanto, cancela a entrevista convocada para esclarecer o armamento.

Condenado a 23 anos de prisão por tentar organizar resistência em defesa de João Goulart


IPM do IV Exército afirma que Arraes era um agitador e número 1 do Partido Comunista

Ayrton Maciel

Ao lado do presidente João Goulart,em carro aberto, Miguel Arraes foi condenado - entre outras acusações  - por tentativa de articular os governadores em defesa do governo nacional, segundo o IPM militar / Arquivo JC Imagem

Ao lado do presidente João Goulart,em carro aberto, Miguel Arraes foi condenado - entre outras acusações - por tentativa de articular os governadores em defesa do governo nacional, segundo o IPM militar

Arquivo JC Imagem

No exílio, na Argélia, Miguel Arraes vai julgamento a revelia, no dia 2 de março de 1967, quando o Conselho Permanente de Justiça do Exército o condena a 23 anos de prisão. Entre as acusações, o governador deposto é responsabilizado por uma tentativa de articular os governadores para a resistência em defesa de João Goulart. O Inquérito Policial Militar do IV Exército, aberto logo após o golpe de 64, e base da acusação e condenação, inclui no processo um depoimento do então governador deposto naquela ocasião.

Deposto por oficiais do Exército, Arraes foi inicialmente levado para o 14º Regimento de Infantaria, no Recife, de onde seguiu para a Ilha de Fernando de Noronha, ficando até dezembro. De volta à Capital, ficou preso na Companhia de Guardas, antes de ser levado para o Rio de Janeiro.

De acordo com o relatório do IPM Rural, Arraes não tinha aceito a acusação de responsável por agitação e subversão no campo, ressaltando, em sua defesa, que suas diretrizes à polícia eram sempre para “a manutenção da ordem, a defesa da propriedade e o respeito aos direitos dos trabalhadores”.

Os militares contestam. “Através de todo este IPM encontramos uma polícia ausente e, boa parte das vezes, em conluiu com os agitadores, sem autoridade, permitindo violências contra a pessoa e a propriedade”, diz o inquérito incorporado ao Dossiê Arraes.

O IPM destaca que a administração de Arraes, como prova de seu comprometimento com a subversão, entre muitos fatores, recebia no Palácio do Campo das Princesas, camponeses e dirigentes sindicais rurais e das Ligas Camponesas apontados como “agitadores”. Uma prova de que seria um agitador, revela o relatório, era o fato de Arraes ter participado de comícios ao lado de “notórios” comunistas e usando a “mesma linguagem”.

Definido como o “número um do Partido Comunista (o PCB)”, o relatório do IPM Rural conclui que Arraes deve ir a julgamento pela Justiça Militar por tentativa de “mudar as estruturas políticas e sociais do País com violência contra a Constituição”. A pena de 23 anos foi extinta em 1980, quase um ano depois de seu retorno ao Brasil.

Em 1986, Arraes volta ao poder pela "força do povo"


Vinte e dois anos depois do golpe, termina o ano de 1964 com Miguel Arraes devolvido ao governo pelo voto popular

Ayrton Maciel

Passados 22 anos de sua deposição, Miguel Arraes é eleito novamente para o governo do Estado. Entrou pela porta que saiu / Arquivo JC Imagem

Passados 22 anos de sua deposição, Miguel Arraes é eleito novamente para o governo do Estado. Entrou pela porta que saiu

Arquivo JC Imagem

1986 foi o ano em que terminou o inacabado ano de 1964. Vinte e três anos depois da deposto pelas armas, o político mais popular de Pernambuco – e mais temido pelos militares –, o ex-governador Miguel Arraes de Alencar, então aos 70 anos, retornaria ao poder pela “força do povo”, termo que o imaginário popular consagrou. Eleito como que para concluir o mandato lhe tinha sido tomado, Arraes assume em 15 de março de 1987 e conduz o governo até 1990. O que Arraes não sabia é que, mesmo no exercício do poder, em plena redemocratização do País, continuou a ser espionado e muitos de seus atos de governante eram registrados por agentes do Estado brasileiro no Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

A polícia política sobreviveu – e contra Arraes – até 1989, quando o governador extinguiu o órgão símbolo da espionagem e da repressão, mas só no primeiro ano de seu segundo governo serviu de alvo de vigilância, que em parte – deduz-se – saiu de dentro do próprio Palácio do Campo das Princesas. O prontuário número 12.385 abriga o dossiê de Miguel Arraes, o “criptocomunista”, “tarefeiro do PC” e “chefe nominal da subversão no Nordeste” – termos empregados pela polícia política –, uma abastado conjunto de recortes de jornais, documentos, relatórios e informes de arapongas. Aberto em 1950, o Dossiê Arraes possui um volume de documentos que o torna um dos maiores do arquivo do Dops pernambucano.

Lançado na vida pública pelo ex-governador Barbosa Lima Sobrinho (1948-1951), o primeiro registro de atividade política de Arraes, no dossiê, denuncia que, em 8 de novembro de 1950, o ex-secretario da Fazenda – posteriormente eleito ao primeiro mandato de deputado estadual – estivera na sede do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, em companhia de “outro elementos vermelhos”, para participar da instalação da Campanha de Ajuda à Imprensa Popular, notícia divulga pelo jornal Folha da Manhã. A partir daí, os passos, atividades e posições do ascendente líder político passam a ser rotineiramente anotados no dossiê por investigadores.

Em 1955, eleito ao segundo mandato, é denunciado ao Dops que Miguel Arraes tinha assinado o manifesto ao povo pernambucano, saudando o Mês da Imprensa Popular. Em abril daquele ano, o Dops registra que a Assembleia Legislativa havia designado o deputado como um de seus representantes, no Rio de Janeiro, ao IV Congresso em Defesa do Petróleo. Quatro anos depois, o Dops destaca que Arraes deixa o cargo de secretário da Fazenda do governador Cid Sampaio, em julho, para concorrer à Prefeitura do Recife pela coligação PST, PSB, PSP e UDN, que o elege prefeito com 82.812 votos, 25.576 a mais que o concorrente Lael Sampaio.

A primeira eleição de Miguel Arraes ao governo do Estado, em outubro de 1962, também não deixou de ser anotada pelo Dops. No prontuário 12.385, o relatório de antecedentes registra que o governador eleito montou o secretariado e a equipe de auxiliares imediatos entre pessoas “quase todas vermelhas e esquerdistas”. Os adjetivos pejorativos ideológicos são constantes nos arquivos da polícia política. “Reinou a agitação entre as classes estudantis, bancárias, operários da capital e do interior, por meio de greves constantes e invasões de propriedades”, relata o documento.

O 1º de abril de 1964 não passa em branco no dossiê de Arraes. O relatório de antecedentes revela que, naquela data, o governador foi deposto e preso pelas Forças Armadas, por “atividades subversivas”, a Justiça Militar decreta a sua prisão preventiva e são abertos processos pelo IV Exército (agora Comando Militar do Nordeste). O dossiê detalha que, em razão de um habeas-corpus do Supremo Tribunal Militar, Arraes foi posto em liberdade de 22 de abril de 1965, no Rio de Janeiro, mas acusa o ex-governador de, um dia antes, ter lançado “um manifesto de caráter subversivo, abrigando-se depois na Embaixada da Argélia”. 

No Recife, em 22 de maio, o temido delegado de polícia política Álvaro da Costa Lima passa um radiograma de alerta “a todas as estações” do interior, pedindo “a captura” de Miguel Arraes de Alencar. As divisas de Pernambuco com os Estados vizinhos foram fechadas. Arraes, porém, já estava asilado na residência do embaixador da Argélia, no Rio.

Morte de Eduardo Campos completa um ano e filho é apontado como herdeiro político


João Campos é considerado como o mais indicado para dar sequência ao legado do pai
João Campos é apontado, entre os filhos de Eduardo Campos, como principal herdeiro político / Rodrigo Carvalho/Acervo JC Imagem

João Campos é apontado, entre os filhos de Eduardo Campos, como principal herdeiro político

Rodrigo Carvalho/Acervo JC Imagem


A queda de uma aeronave Cessna Citation 560X nas proximidades da Base Aérea de Santos há exatamente um ano mudou a vida de muitas famílias e os rumos da eleição presidencial de 2014. Com o acidente e a consequente morte de Eduardo Campos, o País perdeu um candidato que prometia superar a polarização entre PT e PSDB e Pernambuco vivenciou pelo menos uma semana de luto e intensas emoções até o velório no Palácio do Campo das Princesas e o enterro dos restos mortais do seu ex-governador no cemitério de Santo Amaro.

Um ano após morrer, Eduardo Campos é bastante lembrado no meio político e pela população. Uma das perguntas mais frequentes é sobre quem fará uso do espólio eleitoral do ex-governador. Ainda que seja uma aposta para o futuro, o estudante universitário João Campos - o mais velho dos filhos homens de Eduardo (além do jovem, ele é pai de Maria Eduarda, Pedro, José e Miguel) - é o mais indicado para aproveitar o patrimônio e o capital político deixado pelo pai.

Segundo os aliados de Eduardo, João Campos já tem estatura política suficiente para pular o pleito de 2016 e mirar uma vaga de deputado federal em 2018. O posto, dizem os socialistas, só não foi ocupado em 2014 por uma reflexão do próprio João e por interferência de Renata Campos, que pediu ao filho para terminar o curso de Engenharia antes de ser testado nas urnas.

Para pavimentar seu caminho, em outubro do ano passado, João passou a integrar a Executiva do PSB pernambucano na condição de secretário de Organização da legenda. Com isso, começou a percorrer o Estado promovendo congressos e outros eventos partidários. Mas colocar o pé na estrada não é novidade para o jovem. 
Além de acompanhar o pai ao longo de sua vida pública, ele atuou fortemente na campanha de Paulo Câmara (PSB) ao governo após a morte de Eduardo. Sua participação em comícios e reuniões, dizem alguns socialistas, era até mais esperada que a do então candidato.

“O partido deseja muito, os amigos de Eduardo desejam, mas isso é uma decisão exclusivamente dele. Eduardo, a gente sabe, de uma certa forma desejou isso já para 2014 e chegou a conversar com algumas pessoas, inclusive com o próprio João. Ele fez uma série de ponderações, por conta da faculdade”, afirma o presidente estadual do PSB, Sileno Guedes.

Foi o apoio à candidatura de João Campos que levou a uma briga familiar. Na medida em que estimulava o projeto do filho, Eduardo desmobilizava a candidatura da vereadora Marília Arraes (PSB) à Câmara Federal. A socialista desistiu do pleito, rompeu com o ex-governador e passou a integrar a oposição. Agora, tem até setembro para escolher uma nova legenda e estuda a possibilidade de ir para o PTB, PDT, PT e o PSOL. “Eduardo se transformou em um líder político, mas não conseguiu unir a família”, aponta o cientista político Vanunccio Pimentel.



Dentro do PSB, ninguém admite que o projeto eleitoral de João Campos cause ciúmes. O deputado estadual Aluísio Lessa (PSB), próximo da família Campos, até já traça o cenário da candidatura. “A obra de Arraes e Eduardo tem que ter um herdeiro e pelo comportamento e atitude vejo que João pode ser essa pessoa. Ele se forma no final de 2016, início de 2017 e nas eleições de 2018 teremos um candidato legislativo. Pode até começar como Eduardo, com campanha na Zona da Mata. Na região, já tem muita liderança citando o nome dele como deputado federal”, garante.

Na opinião do cientista político Juliano Domingues, a candidatura de João Campos não deveria gerar nenhum assombro. “É natural que aqueles que estiveram ao redor de Eduardo sejam influenciados e passem a almejar uma carreira política da mesma maneira que filhos de médicos querem ser médicos e filhos de professores tendem a ser professores”, afirma.


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Autor Everaldo Paixão

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