Seis deputados abriram mão do cargo para não serem expostos ao processo de cassação. Suplentes tem longo histórico de condenações
Gabriel Castro e Laryssa Borges, de Brasília
O deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO) submeteu-se ao processo de cassação no plenário da Câmara dos Deputados (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados )
Ao longo de décadas, o histórico de coorporativismo fez do Congresso Nacional um retrato da impunidade. Foram arquivadas dezenas de processos de cassação de mandato de deputados e senadores cujas condutas violoram o preceito básico da conduta dos congressistas, o chamado "decoro parlamentar". O mineiro Edmar Moreira (PR-MG), celebrizado como "deputado do castelo", resumiu o entendimento comum na Casa quando assumiu o cargo de corregedor da Câmara, em 2009: as investigações no Legislativo brasileiro não avançam por causa do "vício insanável da amizade". Nos últimos meses, entretanto, dois fatores parecem ter mudado esse cenário: o Supremo Tribunal Federal (STF) sinalizou o fim da impunidade de políticos corruptos; e o Congresso, enfim, aprovou o voto aberto para cassações de mandato.
Desde dezembro, seis deputados envolvidos em casos de corrupção abriram mão de seus mandatos. Pelo menos quatro deles – os mensaleiros José Genoino, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry – abandonaram o cargo eletivo para se livrar da abertura de um processo de cassação. Não fosse a votação aberta, provavelmente os condenados do mensalão não teriam desistido tão rápido da cadeira de deputado. Em 2006, a maioria dos envolvidos no mensalão foi absolvida pelo plenário.
No ano passado, os deputados ultrapassaram os limites do ultraje ao criar o primeiro deputado-presidiário do Brasil: Natan Donadon (RO), que cumpria pena no presídio da Papuda, chegou algemado à Câmara para acompanhar a votação do seu processo de cassação e voltou para a cadeia com o broche de parlamentar. Em fevereiro, já com as regras do voto aberto, o resultado foi diferente: foram 467 votos pela punição ao deputado, nenhum pela absolvição e apenas uma abstenção.
Na lista das recentes renúncias também figura o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB-MG), principal personagem do valerioduto mineiro. A renúncia do parlamentar permitiu que ele perdesse o foro privilegiado e levasse para a 1ª Instância o processo a que responde por peculato e lavagem de dinheiro. O herdeiro da cadeira foi justamente Edmar Moreira.
O último a renunciar ao mandato na Câmara foi o paraense Asdrubal Bentes (PMDB), condenado por trocar cirurgias de laqueadura por promessa de votos nas eleições para prefeito de Marabá (PA), em 2004. Com a sentença definitiva, ele começou a cumprir a pena de três anos e um mês em prisão domiciliar. Bentes foi o único deputado presente à sessão de cassação de Donadon, já com a regra do voto aberto, que não optou pela perda do mandato do colega. Questionado na semana passada sobre seu futuro, chegou a afirmar que não renunciaria ao mandato. Mas acabou aconselhado pelo partido a evitar o desgaste aos colegas de aprovar sua cassação no plenário. Bentes entregou a cadeira na quarta-feira. Em seu lugar, assumiu outro velho conhecido do Congresso e da Justiça: o ex-senador Luiz Otávio (PMDB-PA), que já chega à Casa condenado, em 1ª instância, a doze anos de prisão, em regime fechado, por desvio de recursos públicos.
As renúncias na Câmara
Valdemar Costa Neto (PR-SP)
Integrante do time dos mensaleiros, o parlamentar do PR deixou o posto em 5 de dezembro, pouco antes de se entregar à Polícia Federal. Ele cumpre pena de sete anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Costa Neto evitou, assim, o desgastante processo de cassação que - com voto aberto - não lhe ofereceria qualquer chance.
Trecho da carta de renúncia: “Tomo a iniciativa orientado pelo respeito que devo ao Poder Legislativo brasileiro, enfraquecido por um vazio jurídico que impõe ao parlamentar a impossibilidade de dois julgamentos, garantidos a todos brasileiros sem mandato eletivo. Inspirado pelo respeito aos eleitores que me delegaram a representação que traz uma extensa folha de serviços prestados, renuncio ao meu mandato”.
José Genoino (PT-SP)
Condenado por corrupção ativa no processo do mensalão, o petista autorizou a concessão de empréstimos bancários fraudulentos ao PT. As transações financeiras serviram para alimentar o caixa do mensalão. Genoino deixou o cargo em 3 de dezembro, cerca de duas semanas após ser preso. Inicialmente, ele resistiu. Depois, quando ficou claro que seria cassado, optou pela renúncia.
Trecho da carta de renúncia: “Não pratiquei nenhum crime, não dei azo a quaisquer condutas, em toda minha vida pública ou privada, que tivessem o condão de atentar contra a ética e o decoro parlamentar. Sou inocente. A razão de ser da minha vida é a luta por sonhos e causas ao longo dos últimos 45 anos. Reitero que entre a humilhação e a ilegalidade prefiro o risca da luta”.
Pedro Henry (PP-MT)
O mensaleiro foi condenado a sete anos e dois meses de prisão por ter sido beneficiado com os recursos do esquema criminoso. Henry negociou o apoio da bancada do PP ao governo Lula em troca de dinheiro. Em 13 de dezembro, dia em que foi preso, renunciou ao mandato.
Trecho da carta de renúncia: “Durante os últimos oito anos obtive a absolvição do Conselho de Ética e do Plenário da Câmara dos Deputados através dos votos dos parlamentares. Também fui absolvido pela sociedade matogrossense, que me reelegeu através do voto popular nas eleições de 2006 e 2010. Não seria este o desfecho da vida pública que eu havia planejado, mas não vou expor esta instituição mais do que já se encontra exposta por este episódio”.
João Paulo Cunha (PT-SP)
João Paulo manteve, enquanto pode, a promessa de que não iria abrir mão da cadeira na Câmara dos Deputados. Mas seguiu o roteiro dos colegas e entregou o cargo em 7 de fevereiro, ao ser preso. O petista, que recebeu dinheiro para favorecer irregularmente as empresas de Marcos Valério quando era presidente da Câmara, foi condenado a seis anos e quatro meses de prisão no julgamento do mensalão.
Trecho da carta de renúncia: “É com a consciência do dever cumprido e baseado nos preceitos da Constituição Federal e no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que eu renuncio ao meu mandato de deputado federal”
Eduardo Azeredo (PSDB-MG)
O tucano deixou o posto na Câmara dos Deputados em 19 de fevereiro após o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ter pedido que a Justiça o condenasse a 22 anos de prisão por participação no esquema do valerioduto mineiro. A renúncia se mostrou proveitosa: como Azeredo perdeu o foro privilegiado, a corte decidiu remeter o processo à primeira instância, o que pode levar o caso à prescrição. Além disso, o ex-deputado poupou de maiores constrangimentos a campanha eleitoral de Aécio Neves à Presidência.
Trecho da carta de renúncia: “Não vou me sujeitar à execração pública por ser um membro da Câmara dos Deputados e estar sujeito a pressões políticas. Esta sanha não quer que prevaleça a ponderação da justiça. Mas sim ver pendurado e balançando no cadafalso o corpo de alguém exemplado para satisfazer os mais baixos apetites em ano de eleição. As alegações injustas, agressivas, radicais e desumanas da PGR formaram a tormenta que me condena a priori e configuram mais uma antiga e hedionda denúncia de inquisição do que uma peça acusatória do Ministério Público”
Asdrubal Bentes (PMDB-PA)
Entregou o cargo em 26 de março, um dia depois de começar a cumprir uma pena de três anos, um mês e dez dias de prisão, imposta pelo Supremo Tribunal Federal. O peemedebista foi punido por oferecer laqueaduras em troca de votos. Só não pegou uma pena maior porque parte dos crimes prescreveram.
Trecho da carta de renúncia: “Sempre pautei minhas ações pelos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Por uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, [fui] condenado à pena de três anos, um mês e dez dias de prisão em regime aberto, por um crime que não cometi. Resta-me tomar a mais difícil e dolorosa decisão da minha vida pública, a de renunciar ao mandato que me foi outorgado por 87.681 eleitores do meu Estado”.
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