Documento da empresa francesa investigada no Brasil por envolvimento no cartel dos trens ensina o caminho para subornar responsáveis por licitações
Alexandre Aragão
FORA DOS TRILHOS - Vagões da Alstom no metrô paulista: a empresa francesa negava ter pago suborno para obter contratos no Brasil (Fernando Cavalcanti)
O manual da propina da Alstom é dividido em cinco itens e utiliza eufemismos para justificar sua existência — como o que diz que o “objetivo (do documento) é definir modalidades práticas de pagamento de comissões a terceiros”. Logo no início, há uma recomendação para evitar que o esquema seja descoberto: é necessário “manter a confidencialidade indispensável a esse tipo de operação”. O guia recomenda ainda que os envolvidos não deixem rastros da propina nos registros fiscais da empresa. Assim, subornos viram pagamentos de “comissão”, cujos valores têm de ser devidamente registrados em contratos de “consultoria e suporte”. Esses contratos, reza o documento, necessitam ter um texto-padrão e ser assinados pelo diretor financeiro da companhia. As subsidiárias da Alstom, como a Cegelec, também eram orientadas a seguir o guia prático de corrupção da empresa.
O guia foi feito para "simplificar e racionalizar" as regras de pagamento de propina para a obtenção de contratos pela Alstom e suas subsidiárias com lobistas de empresas públicas e privadas
O Ministério Público interpreta o trecho como uma recomendação para que contratos de propina não sejam registrados na contabilidade oficial da empresa. Também é necessário manter a "confidencialidade indispensável a esse tipo de operação"
Cada subsidiária da Alstom, segundo a interpretação do Ministério Público, deve registrar em acordos separados todas as operações com lobistas, para que elas não constem dos contratos oficiais e não possam ser rastreadas pelas autoridades
Pinto Junior, segundo apurou o Ministério Público de São Paulo, era o responsável por distribuir a políticos e burocratas o dinheiro da propina paga pela Alstom no Brasil. Ele próprio admitiu aos investigadores que fazia tal serviço. Sua memória, no entanto, termina aí — Pinto Junior diz que não recorda quem eram as pessoas às quais ele entregava o dinheiro.
A Polícia Federal investiga dois braços desse esquema de corrupção: no setor de transporte ferroviário e no de energia. Até agora, dezessete funcionários públicos e das empresas foram indiciados. A parte do inquérito referente ao cartel do trem está nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello.
Depois de receber o caso da Procuradoria-Geral da República, em dezembro, Mello disse que iria analisá-lo ainda durante o recesso da Justiça, que acaba nesta semana. Caso o STF acolha a denúncia, o processo será desmembrado: os indiciados com direito a foro privilegiado responderão no Supremo, enquanto os demais voltarão à primeira instância. Quatro citados têm direito a foro privilegiado: os secretários estaduais Edson Aparecido (PSDB), José Anibal (PSDB) e Rodrigo Garcia (DEM) e o deputado Arnaldo Jardim (PPS). Todos até agora negaram envolvimento com o esquema da Alstom.
No manual dos investigadores, a primeira coisa que se aprende é que a corrupção tem dois lados, o de quem paga e o de quem recebe. O guia da propina da Alstom resolve parte da questão. Agora, falta a outra metade.
Fonte: Veja
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