A
fexibilização da regra e o relaxamento da fiscalização podem pôr em risco o
projeto bem-sucedido.
Avenida Ipiranga com São João: para divulgar sua
promoção, loja agride a vista de quem passa pela famosa esquina (Foto: Lucas
Lima)
27.set.2013
por Angela Pinho
Implantada
em 2007, a Lei Cidade Limpa foi, talvez, a principal transformação urbana pela
qual São Paulo passou na última década. A retirada de outdoors, faixas e
letreiros excessivos diminuiu a poluição visual e mostrou que era possível
mudar a paisagem rapidamente, e para melhor. Pesquisa do Datafolha realizada em
maio mostra que a iniciativa é aprovada por 68% da população. Pois agora,
quando a norma havia se consolidado, surgem ameaças de retrocesso. Não que a
barafunda de anúncios tenha voltado ao estágio anterior, mas há indícios de que
a fiscalização e as regras afrouxaram.
Em
fevereiro, o prefeito Fernando Haddad editou uma portaria, prevista na gestão
anterior, permitindo cartazes de até 1,20 metro de largura para teatros e
museus. Em agosto, foi autorizada a propaganda de um projeto de incentivo ao
uso de bicicleta em 5 000 ônibus e 3 000 táxis. Pode-se argumentar que cultura
e mobilidade são bandeiras louváveis. Mas as exceções abriram caminho para
outras. Na semana retrasada, vereadores aprovaram um projeto de lei que permite
letreiros maiores para igrejas e clínicas e outro que libera a publicidade em
ônibus e táxis.
Outro
mau exemplo da Ipiranga: cartaz irregular (Foto: Fernando Moraes)
Rua
Henrique Schaumann: anúncio proibido (Foto: Fernando Moraes)
Rua
Oscar Freire: uma fachada, seis logotipos (Foto: Fernando Moraes)
Marisa na Avenida Paulista: dentro da norma (Foto: Fernando Moraes)
Antes de
entrarem em vigor, as propostas têm de ser votadas novamente pela Câmara e
receber a sanção e Haddad. Na atual gestão, o Cidade Limpa perdeu peso
político. O cargo de coordenador do programa, que existia até 2012, está vago.
Segundo a prefeitura, a fiscalização continua sendo realizada pelas 31
subprefeituras. A quantidade de multas, no entanto, caiu abruptamente. Foram 1
778 autuações em 2007, 4 591 em 2011 e apenas 232 neste ano, no período entre
janeiro e agosto. A explicação oficial é que as pessoas estão cumprindo mais a
lei. Seria surpreendente, mas positivo, uma legislação passar a ser tão
respeitada de um ano para outro. Infelizmente, a profusão de anúncios
irregulares na cidade torna a hipótese inverossímil.
Na
esquina da Avenida Ipiranga com a São João, por exemplo, uma loja de roupas
colocou nada menos do que nove cartazes para divulgar sua liquidação. Poucos
metros adiante, a propaganda de um novo prédio ocupava toda a superfície de uma
banca de jornal. Em diversas regiões da cidade, lambe-lambes anunciam desde a
compra de ouro até serviços para ajudar o motorista a tirar pontos da carteira.
Na Adidas Originals recém-inaugurada na Rua Oscar Freire, seis símbolos da
marca aparecem camuflados em colagem na entrada.
Marginal
Pinheiros em 2006, antes da lei, e depois (ao lado): vista livre (Foto: Mario
Rodrigues)
A empresa diz que a imagem foi criada especialmente para a inauguração,
em agosto, e será substituída em outubro. “Painéis artísticos são liberados,
mas a loja só pode ter um letreiro com logotipo”, explica José Rubens Domingues
Filho, que ocupou o cargo de coordenador do Cidade Limpa até o ano passado. “Se
os estabelecimentos encontram uma forma de burlar a norma, têm de ser
advertidos porque estão agindo em desacordo com o princípio da lei”, afirma. “O
segredo é não ter jeitinho.” Em 2012, por exemplo, uma das unidades das Lojas
Marisa na Avenida Paulista foi multada por irregularidades na fachada. Hoje,
tem dentro do estabelecimento um telão gigante que fica a 1,20 metro
da
vitrine. Chama atenção, mas está rigorosamente dentro da lei, que proíbe
anúncios internos a menos de 1 metro da fachada.
A
prefeitura nega ter afrouxado a fiscalização e diz que remove em média 1 300
propagandas irregulares todos os dias. Mesmo assim, é um número 83% menor que o
do ano passado. O vereador Alfredinho, líder do PT na Câmara, assegura que não
recebeu orientação do governo sobre como proceder na segunda votação, mas
garante que não vai apoiar nenhum abrandamento das regras. Para o presidente do
departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil, José Armênio de
Brito Cruz, se isso ocorrer será um retrocesso imperdoável. “A cidade só
conseguiu revelar a paisagem urbana por trás dos outdoors porque não há
exceção”, afirma. “O grande valor de São Paulo são as obras construídas. Não
podemos escondê-las.”
Cinco
sinais de perigo
1 - O número de multas
despencounos últimos dois anos: caiude 4 591 em 2011 para 232 em 2013*
2 - O cargo de coordenador da
fiscalização, diretamente ligado ao prefeito, foi extinto na atual gestão
3 - O poder municipal aprovou duas
exceções à regra geral: cartazes com a programação de teatros e museus e, por
um mês, anúncios de incentivo ao uso de bicicleta veiculados em ônibus e táxis
da cidade
4 - Disseminaram-se “jeitinhos”
para driblar a lei, como a instalação de painéis publicitários no lado interno
das lojas, atrás das vitrines
5 - Projetos aprovados em primeira
votação por vereadores atenuam as restrições à propagandaem clínicas médicas,
igrejas, ônibus e táxis.
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