CONTRA A
DERRAMA -- O Impostômetro, inaugurado em 2005, no dia de Tiradentes. Os
inconfidentes se rebelaram contra o chamado "quinto", cobrado pela
Coroa portuguesa. Hoje os brasileiros pagam dois quintos de seu salário ao
governo (Foto: ACSP)
Reportagem
de Bianca Alvarenga, publicada na edição de VEJA que está nas bancas
ACABOU O
IMPOSTO INVISÍVEL
As notas
fiscais vão exibir o valor dos tributos pagos na compra de mercadorias e serviços.
A mudança
vai dar susto em muita gente que se achava livre desses encargos, ou não sabia
a quanto montavam
As contas
pagas pelos brasileiros ficarão, a partir do próximo ano, mais justas. Isso não
quer dizer que as pessoas pagarão por produtos e serviços o antigo “preço
justo”, um dos conceitos básicos do sistema econômico que precedeu o
capitalismo, o mercantilismo, em que o monarca, desconsiderando a lei de oferta
e procura, arbitrava um preço fixo ao pão, à cerveja e à carne.
As contas
ficarão mais justas no Brasil porque elas vão conter o valor dos impostos pagos
pelos consumidores, que, por enquanto, é embutido no preço final das
mercadorias e serviços.
É o
imposto invisível.
Isso vai
acabar.
Depois de
mais de vinte anos, o Congresso finalmente regulamentou a lei que obriga à
discriminação do valor dos impostos incidentes sobre cada produto e serviço
listado nas notas e cupons fiscais. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff
na semana passada, a obrigatoriedade entra em vigor em junho.
Parte dos
63 impostos, taxas, contribuições e tributos existentes no país é paga
diretamente.
É o caso,
por exemplo, do imposto sobre a propriedade de veículos automotores, o IPVA, e
do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o IPTU.
Mas
muitos tributos são cobrados indiretamente. Eles se escondem no preço final.
Entre os invisíveis estão o imposto sobre produtos industrializados, o IPI, e o
imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, o ICMS. As notas trarão o
valor estimado de um total de sete desses tributos que antes ficavam
invisíveis.
O efeito
esperado da nova lei é dar um choque cultural no consumidor brasileiro.
Ao saber
o que está pagando de impostos em um cafezinho, no aluguel ou na mensalidade
escolar, o consumidor tende a ficar mais exigente, cobrando mais a qualidade
dos produtos e serviços e, em última análise, pressionando pela diminuição da
carga tributária.
O imposto
é invisível, mas não é leve
OS
IMPOSTOS AGORA VISÍVEIS -- Antes, eles ficavam escondidos no preço final.
Agora, o valor dos tributos será exibido na nota fiscal (CLIQUE NA IMAGEM PARA
VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)
A
tributação média sobre brinquedos é de 44%.
Na compra
de uma boneca Barbie de 82 reais, 32 reais vão direto para os cofres do
governo, na forma de tributos federais, estaduais e municipais.
No preço
da cerveja e dos espumantes, mais de 50% são impostos.
Dos 759
reais pagos por um iPod nano, 372 reais vão para o governo.
Na média,
mais de 40% dos salários e rendimentos correm para os cofres públicos.
Isso
significa que, somados os tributos diretos e indiretos, os brasileiros
trabalham cinco meses ao ano para sustentar a máquina governamental. Mesmo assim,
ainda precisam desembolsar outra boa parcela do salário para pagar por serviços
que o setor público não fornece com a qualidade esperada, como educação básica,
segurança e saúde.
Foi
Guilherme Afif Domingos, o atual vice-governador de São Paulo, quem, como
deputado constituinte, colocou esse preceito na Constituição de 1988. Ele
precisou esperar quase 25 anos para ver a lei entrar em vigor. Diz Afif:
“Acredito que haverá uma revolução cultural. Muitas pessoas, por ser isentas do
pagamento do imposto de renda, pensam que não pagam tributos e, acreditando que
os serviços são gratuitos, não cobram a melhoria deles”.
Segundo
Rogério Amato, presidente da Associação Comercial de São Paulo, a nova norma
deverá mudar a atitude dos gestores públicos: “A classe política é sensível à
opinião pública. Quando os impostos entrarem no âmbito de debate da população,
o governo olhará a questão com mais atenção”.
Até 10 de
junho de 2013, todos os estabelecimentos comerciais terão de se adaptar à nova
lei. Os serviços que não emitem nota fiscal deverão recorrer a painéis
instalados nas agências para informar o montante de imposto pago em cada
transação. Sob a encomenda da associação comercial, o Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT) desenvolveu um programa de computador que poderá
ser baixado gratuitamente da internet a partir do próximo ano e deverá
facilitar enormemente a vida do consumidor interessado em saber
instantaneamente quanto está pagando de imposto.
Com o
programa do IBPT, basta exibir o código de barras de uma mercadoria no leitor
do caixa do supermercado e ele calculará automaticamente o valor do imposto.
Diz Gilberto Amaral, coordenador de estudos do IBPT: “O software deverá estar
disponível a partir de fevereiro, para que as empresas façam os testes e
sugiram melhorias. O programa se adaptará à necessidade das grandes, pequenas e
médias empresas”.
Iniciativas
como a criação do Impostômetro e do Feirão dos Impostos já mostraram resultados
positivos na conscientização do consumidor.
O
conhecimento dos brasileiros a respeito do pagamento de tributos vem
aumentando.
Segundo a
pesquisa Impacto de Tarifas e Tributos no Brasil, em 2007, 45% dos 1.000
entrevistados sabiam que pagavam algum tipo de imposto. Em 2012, o porcentual
subiu para 74%.
O
conhecimento dos impostos indiretos subiu de 28% para 50%.
A
conscientização crescente reflete também a emergência econômica e social de
milhares de brasileiros nesse período.
Afirma
Christian Travassos, economista da Fecomércio do Rio de Janeiro: “Existe um
cenário de expansão da percepção de pagamento de impostos. O novo quadro
econômico, com o aumento do crédito e a formalização do mercado de trabalho,
influenciou diretamente a pesquisa”.
Alguns
especialistas em tributação foram contrários à aprovação da lei, pela
impossibilidade de calcular exatamente o montante de cada imposto. Os valores
exibidos nas notas não serão os efetivamente pagos, mas uma aproximação,
sujeita a pequenas distorções. Os defensores da norma reconhecem suas
limitações, mas acreditam que ela deverá contribuir para inibir o ímpeto de
criação de tributos.
A
simplificação do sistema tributário brasileiro, que mais uma vez está em fase
de discussão entre o governo federal e o estados, é a esperança mais real e
imediata para os consumidores. Para Afif Domingos, é vital ficar de olho para
que a nova lei não seja desvirtuada. Como ele não cansa de repetir, citando o
economista Roberto Campos: “A cada ação desburocratizante corresponde uma
reação burocratizante de igual intensidade e em sentido contrário, que vem de
forma disfarçada”.
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